domingo, outubro 01, 2006

vi e gostei muito.
muito mais do que do texto:


Desorientação e sabedoria


Os críticos repetem antônimos paradoxais para evocar a arte de Kapoor: presença e ausência, ser e não-ser, lugar e não-lugar, sólido e intangível, efêmero e eterno, matéria e espírito... Não há como fugir deles


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

No domingo, dia 17 de setembro, encerrou-se a exposição de Anish Kapoor no Rio de Janeiro. Foi apresentada no Centro Cultural do Banco do Brasil. Havia muita gente, uma multidão lotando as salas. Um público feliz, maravilhado. As obras sugeriam alguma coisa dos efeitos mágicos que se encontram em labirintos de espelhos ou ilusões de ótica nos parques de diversão. Aparentam-se ao "trompe-l'oeil" para subvertê-lo, dando ao que é aparência uma natureza de essência.
No entanto, muito além do divertimento imediato, o espanto dos espectadores vinha nutrido por uma sensação profunda. Há muito tempo que o campo das artes plásticas não oferecia, no Brasil, uma experiência tão essencial.
A obra "Ascension" [Ascensão] foi criada para o grande saguão do edifício: uma coluna de fumaça subia a 36 metros de altura. Era dirigida e modificava-se na textura, na forma, graças a correntes de ar criadas por ventiladores disfarçadamente dispostos. Uma escultura imaterial, paradoxo anti-hegeliano; uma ascese contemplada; uma senda vertical entre o visível e o invisível.
Kapoor é um gênio que explora os cruzamentos da compreensão, intuição e percepção.

Mar
Três paredes altas partiam de um mesmo ângulo. Uma, central, dividia o espaço; devia ser móvel, em sua gênese. Empurrara, para um lado e para outro, toneladas de cera vermelha. Ao fixar-se, a cera aprisionou a parede, que provocara fluxos e refluxos na matéria dúctil, formando pequenas ondas, delicadas como as gravuras de Hokusai [1760-1849, pintor japonês de paisagens, como marinhas e o monte Fuji].
Kapoor ama os paradoxos: aqui, a gênese interrompida e completada, o movimento aprisionado na imobilidade, as vagas moles num mar cor de vinho, num mar incansável, repousando, no entanto.

Lugares-comuns
Os críticos repetem sempre antônimos paradoxais para evocar a arte de Kapoor ("polaridades metafísicas profundamente enraizadas", disse um): presença e ausência, ser e não-ser, lugar e não-lugar, sólido e intangível, efêmero e eterno, matéria e espírito... Não há como fugir deles.

Mágicas
Paredes com grandes umbigos côncavos ou convexos que desaparecem conforme a situação do espectador, deixando um vestígio inefável. Superfícies metálicas brilhantes revelam, em fim de contas, serem buracos (é impossível, nesses casos, falar de "cheios" ou de "vazios", cheios e vazios não dependem da matéria porque se dão como presenças). Os metais são polidos ao extremo.
"O sublime tradicional", diz Kapoor, "tem superfícies mates, profundas e absorventes, e o brilhante pode ser o sublime moderno, que é totalmente reflexivo, absolutamente presente e devolve o olhar".

Trilha
"Estou tentando lidar com o sentido da desorientação, que obriga as pessoas a reajustarem suas vistas, nem que seja por apenas um minuto, de maneira a se reverem a si próprias em relação ao volume, em relação à cor e assim por diante. No coração disso estão as trevas." São palavras de Kapoor, escultor indiano de formação inglesa, nascido em 1954.


jorgecoli@uol.com.br

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