segunda-feira, fevereiro 27, 2006

mais nietzsche e menos steven hayes.


48 - Conhecimento da miséria - Talvez nada diferencie tanto as pessoas e as épocas a não ser o grau de conhecimento da miséria: tanto a da alma quanto a do corpo. No que tange a última, talvez nós, homens de hoje, apesar de todas as nossas fragilidades e das nossas enfermidades, sejamos ignorantes e fantasiosos, por falta de uma rica experiência pessoal, e experiência comparada à época do medo - o mais longo período da história - quando o indivíduo devia proteger-se contra a violência, e por isso tornar-se ele mesmo um violento. Nessa época o homem fazia uma copiosa aprendizagem do sofrimento físico e da privação; via-se até no exercício de uma certa crueldade para consigo mesmo e no sofrimento voluntário um recurso necessário à sua conservação; treinava-se então o seu meio para suportar a dor, acrescentando-o até de bom grado, e viam-se os piores suplícios dos outros sem experimentar outro sentimento que não fosse o da própria segurança. Quanto à miséria da alma, continuo a examinar agora se aquele que dela fala a conhece por experiência ou descrição; se julga ser necessário simular o conhecimento dessa miséria, para testemunhar uma certa cultura ou se no fundo da sua alma se recusa a acreditar em todo e qualquer sofrimento; se, quando se designam esses sofrimentos da alma, não se passa nele qualquer coisa de análogo ao que acontece quando lhe falam de grandes sofrimentos físicos: recordam-lhe as suas dores de dente ou de estômago. Assim me parece que sente a maior parte das pessoas. No entanto, ninguém é treinado no sofrimento, nem físico nem moral, ninguém vê uma pessoa sofrer a não ser muito raramente; do que resulta uma consequência muito importante: é que se odeia hoje o sofrimento mais do que antigamente, que dele se diz mais mal do que nunca, e que se vai mesmo ao ponto de já nem sequer lhe poder suportar a idéia: e disso se faz uma questão de consciência e uma censura à sua existência, na sua totalidade. O nascimento de filosofias pessimistas não é de forma alguma indício de terrível sofrimento; o que ocorre é que essas interrogações sobre o valor geral da vida ocorrem em épocas em que o conforto e a facilidade da vida consideram cruéis e demasiado sangrentas as pequenas picadelas de mosquitos, que não se deve evitar nem ao corpo nem à alma, e gostariam, na penúria de autênticas experiências, fazer com que as idéias dolorosas gerais, apareceram como um sofrimento de espécie superior. Existitia realmente um remédio a indicar contra as filosofias pessimistas e o excesso de sensibilidade que me parece ser a verdadeira "miséria dos tempos presentes"... mas, talvez essa receita parecesse demasiado cruel; teriam de a classificar, sem dúvida nenhuma, no número dos sintomas em que se baseiam agora para considerar que "a existência é algo ruim". Pois bem! O remédio contra "a miséria" é: a miséria.

A Gaia Ciência
Friedrich Nietzsche
escrito entre 1881-1887
ed. Martin Claret
págs 66-67



*** pq na veja (?) dessa semana tem isso:

Entrevista
Não fuja da dor
Para um dos psicólogos mais polêmicos dos Estados Unidos, Steven Hayes, é preciso aceitar a tristeza, porque felicidade não é normal. "As artimanhas que usamos para escapar da aflição nos desviam de nossos objetivos de vida. E é por eles que devemos viver", diz.

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